As evidências recentes vêm demonstrando que a COVID-19 pode estar associada a um estado de hipercoagulabilidade. Apesar de não preencher critérios para coagulação intravascular disseminada (CIVD) clássica, é compatível com um estado pró-trombótico. Tem se observado, também, uma taxa maior de tromboembolismo venoso (TEV) mesmo nos pacientes sob anticoagulação profilática, com incidência variando de 25 a 69%. Estudos em autópsias com COVID-19 revelaram um componente de trombose em arteríolas pulmonares.
O acometimento vascular pela COVID-19 também é sugerido nos casos mais graves com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) que ocorre no pico da atividade inflamatória e, comumente, apresenta uma dissociação entre a relação PaO2/FiO2 e a mecânica pulmonar; pacientes com complacência pulmonar relativamente preservada apresentando hipoxemia grave.
A coagulação e a inflamação tem relação de estímulo bidirecional caracterizada por um aumento concomitante de citocinas pró-inflamatórias e do Dímero-D (produto de degradação da fibrina na cascata de coagulação) que vem se mostrando um marcador prognóstico na COVID19.
Dessa forma, uma potencial alternativa para o tratamento da COVID-19 é o uso de anticoagulantes, assunto que vem sendo amplamente debatido, mas ainda com poucas certezas na literatura.
O papel da profilaxia medicamentosa, seja com enoxaparina ou heparina não-fracionada, nos pacientes clínicos graves e sem contraindicação, já é bem estabelecido. De maneira semelhante, para os pacientes que tem o diagnóstico confirmado de TEV, não há dúvidas quanto a necessidade de anticoagulação em dose plena, independente do diagnóstico de COVID-19.
O aumento da dose profilática ou o uso de anticoagulação plena deve ser conduta de exceção em pacientes sem TVP ou TEP documentados. Falta de evidência na COVID-19 ou em qualquer outra afecção por vírus respiratórios de seu benefício. No entanto, protocolos de algumas importantes instituições no mundo têm recomendado o uso de doses maiores baseados na gravidade do quadro e nos níveis de Dímero-D (maiores que 6 a 10x o valor de referência), devendo ser alvo de iminente publicação que ajudará a dirimir esta dúvida.
Se a literatura é escassa com relação ao tratamento anticoagulante na COVID-19, praticamente inexistem dados sobre anticoagulação estendida para paciente com COVID-19 sem evento de TEV documentado. Já para os pacientes com TEP ou TVP, devem ser avaliados os demais fatores de risco e considerada anticoagulação plena por no mínimo três meses, sem contraindicação aos anticoagulantes diretos orais no que tange à infecção viral após a fase aguda.
Desta forma, a recomendação é de que o tratamento anticoagulante na COVID-19 seja individualizado. A profilaxia medicamentosa está indicada nos casos hospitalizados mas ainda é necessário definir-se qual o perfil de pacientes que efetivamente se beneficia do uso de anticoagulantes plenos, independente do diagnóstico de TEV.
Não há dúvidas de que esta pandemia tem acelerado o fluxo de informações, no entanto, deve-se ter bastante cautela para não interpretar trabalhos isolados ou protocolos institucionais como consensos.
José Leonidas Alves Júnior
Subcomissão de Circulação da SPPT