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Série 1: Métodos Diagnósticos em Pneumologia – Análise Crítica do Valores de Referência da Função Pulmonar

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O passo mais importante no diagnóstico de anormalidades da função pulmonar é definir se os indivíduos estão dentro ou fora de uma faixa de referência. São chamados valores de referência aqueles obtidos em indivíduos saudáveis com índices antropométricos e características étnicas semelhantes aos indivíduos testados. Diversos fatores influenciam os valores de referência: antropométricos, ambientais, sociais, genéticos, fatores técnicos e modelos estatísticos utilizados na derivação das equações.

Várias equações para valores de referência foram publicadas nas últimas décadas. No Brasil, valores de referência para população adulta foram derivadas pela primeira vez para brancos em 1992. O equipamento utilizado foi um espirômetro de fole (Vitalograph), considerado à época equipamento adequado. Entretanto, um estudo realizado na África do Sul (Louw, et al,1996) em homens saudáveis, mostrou que os valores derivados pelo espirômetro de fole eram menores em comparação aos valores obtidos por um espirômetro de fluxo. Novos valores de referência foram então derivados para a população brasileira, por espirômetros computadorizados de fluxo, sendo os resultados publicados em 2007. Foram avaliados 643 indivíduos saudáveis, de 20 a 85 anos, em oito cidades brasileiras, de Porto Alegre a Recife. Uma comparação com os valores derivados em 1992 mostrou que os valores previstos eram maiores, o que se atribuiu aos diferentes equipamentos utilizados.

Em 2005, a ATS/ERS sugeriram que as equações derivadas pelo estudo NHANES III, publicadas em 1999 por Hankinson et al, fossem adotadas nos Estados Unidos. Na Europa, as equações compiladas de diversos autores por Quanjer (ECCS), publicadas em 1993, eram frequentemente usadas para pessoas de 18-70 anos de idade, porém se observou que os valores previstos eram baixos, o que levou a ATS/ERS a não recomendar um conjunto específico de equações para uso na Europa. Em 2012, Quanjer, em um projeto mais ousado, desenvolveu uma proposta de equações universais. Um total de 74.187 espirometrias (26 países) divididos em 4 grupos foram avaliadas. Uma comparação com as equações sugeridas para o Brasil mostrou que no sexo masculino, as equações GLI para adultos, resultam em previstos menores, em média 0,29 L para a CVF. Nas mulheres os valores foram semelhantes. O mais preocupante, entretanto, foi a demonstração (confirmada por outros) de que o limite inferior para a relação VEF1/CVF derivada pelas equações GLI, para ambos os sexos, é significativamente menor, o que resulta em incapacidade de caracterizar obstrução ao fluxo aéreo em muitos casos. A grande variabilidade dos valores previstos pelo GLI decorre da inclusão de grande número de testes de qualidade não uniforme, provenientes de diversos locais.

É reconhecido universalmente que os valores de referência para os indivíduos de cor preta são menores, quando comparados aqueles derivados em brancos, por razões diversas. Recentemente, Prata e cols derivaram valores de referência para a espirometria em 264 negros no Brasil e confirmaram que os valores são menores em comparação aos obtidos antes em brancos (em publicação).

No Brasil, muitos laboratórios fazem uso dos valores de referência para os volumes pulmonares e para a difusão do CO de Crapo ou Neder. Um estudo multicêntrico brasileiro, em publicação, mostrou que os volumes pulmonares previstos são menores em comparação aos sugeridos por Crapo e por Neder (Lessa T, et al).

O projeto GLI compilou valores de referência para a difusão do monóxido de carbono (DCO), obtidos em equipamentos com analisadores rápidos dos gases, e de maneira surpreendente, demonstrou que os previstos eram menores que muitas equações antes publicadas. 
À semelhança dos volumes pulmonares, outro estudo multicêntrico brasileiro, submetido para publicação, mostrou que os previstos para a DCO são inferiores aos sugeridos por Crapo e Neder, e muito semelhantes aos sugeridos pelo GLI (Guimarães, et al).

Espera-se para os próximos anos que valores para volumes e DCO sejam derivados para negros no Brasil, o que irá preencher uma lacuna importante.

Dr. Carlos Alberto de Castro Pereira
Doutor em Pneumologia UNIFESP
Ex-presidente Sociedades Paulista e Brasileira de Pneumologia e Tisiologia 
Diretor-Laboratório de Função Pulmonar CDB-SP.

Referências:

1. Pereira CAC, et al. J Pneumol. 1992;18:10-22.
2. Louw SJ, et al. S Afr Med J. 1996;86:814-9. 
3. Pereira, CAC, et al J Bras Pneumol 2007; 397-406. 
4. Hankinson JL, er al. Am J Respir Crit Care Med 1999;159:179–187. 
5. Pellegrino R, et al. Eur Respir J. 2005;26:948-68. 
6. Quanjer PH, et al. Eur Respir J Suppl. 1993;16:5-40. 
7. Quanjer PH, et al. Eur Respir J 2012; 40: 1324–1343. 
8. Pereira CAC, et al. J Bras Pneumol 2014;49:397-402. 
9. Prata TA, et al. Aceito, J Bras Pneumol 2018. 
10. Lessa T, et al. Aceito, J Bras Pneumol 2018. 
10. Guimarães VP, et al. Submetido 2018.

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