Shunt é o termo utilizado para descrever o sangue que entra no leito arterial sistêmico sem passar pelas áreas ventiladas do pulmão, levando à redução da pressão arterial parcial de oxigênio (PaO2). Nos pulmões normais, ocorre com o sangue da artéria brônquica coletado pelas veias pulmonares após a perfusão dos brônquios. Também pode ocorrer fisiologicamente com pequena quantidade do sangue venoso coronariano que drena diretamente para o ventrículo esquerdo pelas veias cardíacas mínimas. Em conjunto, esses shunts representam apenas 3 a 5% do débito cardíaco, mas podem atingir uma proporção maior em algumas situações patológicas, tais como na fístula arteriovenosa pulmonar e na doença cardíaca com comunicação entre câmaras direitas e esquerdas [1].
Estudos clássicos na literatura, desde a década de 50 do século passado, confirmaram a presença de anastomoses arteriovenosas pulmonares através da utilização de esferas de vidro ou líquido de látex radiopaco [2]. Ao longo dos anos, várias outras técnicas foram desenvolvidas para a análise qualitativa e/ou quantitativa do shunt.
A pesquisa de shunt faz parte da investigação de causas de hipoxemia, podendo estar presente em inúmeras condições clínicas, tais como pneumonia, atelectasia/colapso pulmonar, hepatopatias, cardiopatias congênitas e malformações vasculares. Além do diagnóstico, costuma ser fundamental para determinação de prognóstico e avaliação pré e pós-tratamento (cirurgia, embolização).
Método de Trocas Gasosas para cálculo de shunt
1. O cateterismo cardíaco de câmaras direitas possibilita a detecção, localização e avaliação da magnitude do shunt através de diferentes métodos, tais como a identificação de salto oximétrico (diferença no conteúdo de oxigênio ou saturação) e medida do débito sistêmico e pulmonar (Qp/Qs).
2. Existe um método não-invasivo por meio de trocas gasosas, pouco utilizado fora do ambiente acadêmico, realizado por coleta de gasometria arterial em repouso e após suplementação de oxigênio. A fração de shunt é calculada após a administração de oxigênio a 100% no fluxo de 10L/min durante cinco a dez minutos [3] utilizando-se uma máscara conectada a um Saco de Douglas.
3. O método mais preciso, porém menos disponível, é a técnica de eliminação de múltiplos gases inertes (MIGET) [4]. Através da infusão intravenosa de gases com diferentes graus de solubilidade e que não reagem com a hemoglobina, seguida da coleta de amostras de sangue venoso misto e arterial e do ar expirado, via análise por cromatografia, podem ser detectadas as taxas de retenção arterial e excreção alveolar dos gases.
Outros métodos para avaliação de shunt
1. O shunt intracardíaco é facilmente avaliado qualitativamente através do ecocardiograma contrastado com salina agitada [5]. Após a injeção em veia periférica de salina isotônica agitada e misturada com o ar ambiente, é observada a presença de microbolhas nas câmaras direitas pela janela apical de quatro câmaras. A detecção subsequente de microbolhas no ventrículo esquerdo até cinco ciclos cardíacos confirma a presença de shunt intracardíaco. Se não houver passagem de bolhas, pode ser realizada a manobra de Valsalva ao final da expiração para testar a patência do forame oval. O surgimento tardio de microbolhas nas câmaras esquerdas, por sua vez, usualmente após o quinto ciclo cardíaco, é sugestivo de shunt intrapulmonar.
2. Na cintilografia de corpo inteiro, técnica não invasiva que possibilita a detecção e estimativa da fração de shunt, são utilizadas partículas de macroagregados de albumina com Tc99m, as quais normalmente não atravessam o leito capilar pulmonar pelo seu tamanho. Desse modo, a captação extrapulmonar do radiotraçador visualizada, por exemplo, no cérebro, rins e baço, é indicativa de shunt direita- esquerda. O tempo e o percentual de acúmulo de radioatividade nos pulmões em comparação com a radiotividade do corpo inteiro permite quantificar a fração de shunt [6].
3. Dada a relevância clínica, inúmeros outros métodos não invasivos estão em aperfeiçoamento para a avaliação do shunt, incluindo a tomografia computadorizada de tórax, a ultrassonografia pulmonar, a ressonância magnética do tórax e o teste de exercício cardiopulmonar.
Camila Melo Coelho Loureiro
Pneumologista. Pós-graduanda (Doutorado) da Disciplina de Pneumologia, Setores de Circulação Pulmonar e Função Pulmonar e Fisiologia Clínica do Exercício (SEFICE), Unifesp/EPM.
Médica pneumologista do Hospital Universitário Professor Edgard Santos/ UFBA e do Hospital São Rafael.
Eloara Vieira Machado Ferreira Álvares da Silva Campos
Pneumologista. Professora Adjunta & Supervisora do Programa de Residência Médica em Pneumologia, Unifesp/EPM. Setores de Circulação Pulmonar e Função Pulmonar e Fisiologia Clínica do Exercício (SEFICE), Disciplina de Pneumologia. Médica do Laboratório de Função Pulmonar e Ergoespirometria do Hospital Sírio Libanês.
1. West, J. Fisiologia respiratória: princípios básicos. 9 ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
2. Liebow AA, Hales MR, Bloomer WE, Harrison W, Lindskog GE. Studies of the lung after ligation of the pulmonary artery. II. Anatomical changes. Am J7 Pathol 1950;26: 177-95.
3. Vodoz JF, Cottin V, Glérant JC, et al. Right-to-left shunt with hypoxemia in pulmonary hypertension. BMC Cardiovasc Disord. 2009;9:15.
4.Wagner P D. The multiple inert gas elimination technique (MIGET). Intensive Care Med 2008; 34: 994–1001.
5.Hackett HK, Boulet LM, Dominelli PB, Foster GE. A methodological approach for quantifying and characterizing the stability of agitated saline contrast: implications for quantifying intrapulmonary shunt. J Appl Physiol 2016; 121: 568–576.
6.Hosono M, Machida K, Honda N, et al. Quantitative lung perfusion scintigraphy and detection of intrapulmonary shunt in liver cirrhosis. Ann Nucl Med. 2002;16(8):577-81.
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